Para que os alunos escrevam dentro da variedade padrão é essencial conhecer as regularidades e irregularidades da língua e saber como aplicá-las
SISTEMATIZAÇÃO Depois de discutir sobre as regularidades da língua, a turma organiza as regras aprendidas |
Desde
que o aluno recém-alfabetizado percebe que um mesmo som pode ser
grafado com diferentes letras, ele passa a encarar dúvidas de
ortografia. No livro La Calidad de las Escrituras Infantiles,
as autoras Ana María Kaufman e María Elena Rodríguez explicam que isso
se dá porque poucas letras cumprem o princípio alfabético de relacionar
uma unidade sonora (um fonema) a apenas uma letra escrita (grafema).
Isso acontece porque a escrita é um sistema de representação construído historicamente e não um código. Se fosse um código de transcrição exato não existiriam grafias diferentes para sons iguais como ocorre com o fonema /s/ nas palavras "sapo", "assar", "cebola", "paçoca" e "auxílio".
Essas características da língua deixam de ser um problema para o estudante que consegue enxergar a ortografia atrelada às práticas sociais de linguagem, à leitura e à produção de textos. "Quanto mais oportunidades as crianças tiverem de escrever textos, maiores possibilidades terão de conquistar, pouco a pouco, o conhecimento da ortografia", defende Celia Díaz Argüero no livro Aprender y Enseñar la Lengua Escrita en el Aula. E compreender as convenções ortográficas ajuda, e muito, já que elas unificam a maneira de escrever e facilitam a comunicação.
Regularidades e irregularidades ortográficas
Como ensinar os alunos a refletir sobre ortografia
Artur Gomes de Morais, professor da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) e um dos maiores especialistas do Brasil na área, explica no
livro Ortografia: Ensinar e Aprender como é feita a organização
das regras ortográficas na língua portuguesa. De acordo com ele,
existem palavras que mostram a relação entre letra e som de maneira
irregular. A forma de redigi-las é definida na maior parte das vezes
pela origem e deve ser memorizada. Já as relações regulares podem ser
compreendidas e são divididas em três tipos:
- Regulares Diretas Incluem
as grafias de P e B, T e D, F e V. Apesar de expressarem um único som,
esses pares de letras são pronunciados de forma muito parecida,
confundindo as crianças recém-alfabetizadas.
- Regulares Contextuais
Aqui o uso de uma letra ou outra para um determinado som vai ser
definido em relação à posição em que esta letra se encontra dentro da
palavra. Nestes casos, é preciso avaliar o contexto em que a letra será
utilizada - se no começo, no meio, no final da palavra, entre vogais,
antes ou depois de determinadas consoantes, etc. - para definir sua
grafia. Isso ocorre, por exemplo, no uso de C ou QU com som /k/ em
palavras como "cavalo" e "quiabo".
- Regulares Morfológico-gramaticais São
as correspondências determinadas por aspectos gramaticais na formação
de palavras por derivação e na flexão de verbos. Entre os exemplos,
estão os adjetivos que indicam lugar de origem, como "francesa" e
"portuguesa", grafados com S (com som de Z). Também ocorrem com os
verbos no infinitivo, que terminam com R (embora esse R não seja
pronunciado em muitas regiões), ou na flexão da terceira pessoa do
plural (em palavras como "fornecerão" e "forneceram").
Como ensinar os alunos a refletir sobre ortografia
TRABALHO EM DUPLAS Para decidir onde colocar
cada palavra, as crianças pensam sobre suas características
|
O
ensino da ortografia tem sido marcado por dois extremos, ambos
inadequados. De um lado, estão os professores que consideram que as regularidades e irregularidades devem simplesmente ser decoradas e,
portanto, treinam seus alunos por meio de exercícios mecânicos de
memorização de regras e de cópias dos termos.
No outro polo, estão os
profissionais que adotam a mera exposição dos alunos a textos diversos.
DEBATE COM A TURMA Discutindo sobre a escrita, os alunos construíram uma tabela coletiva |
Eles acreditam que o contato a longo prazo se incumbe de mostrar a
grafia-padrão.
As pesquisas mais recentes indicam, no entanto,
que grande parte da ortografia, mesmo sendo regida por regras, pode ser
compreendida por meio de exercícios de reflexão - o que é muito
diferente de apenas copiar e repetir (leia a sequência didática).
O ponto de partida no trabalho com o tema será sempre um diagnóstico
para identificar o que a turma já sabe e quais erros ortográficos são
mais frequentes. Foi o que fez Elaine de Paula, professora do 3º ano da
EM Agnes Pereira Machado, em Catas Altas, a 142 quilômetros de Belo
Horizonte. No início do ano, ela realizou um ditado de nomes de animais
para identificar as dificuldades da turma. "Havia muitas dúvidas, mas
resolvi focar o trabalho no uso da letra R porque a maioria errava
nesses casos", lembra.
Em seguida, ela preparou exercícios,
começando com a classificação de palavras. "Desenhei uma tabela e pedi
que eles relacionassem palavras de uma lista extensa com alguns itens:
quando o R aparecia no início da palavra, entre vogais ou entre vogal e
consoante, por exemplo, de acordo com as semelhanças", conta.
Em duplas,
fizeram a tarefa e, em seguida, compartilharam seus resultados com o
restante da turma. Após a análise do trabalho, elas criaram regras para
explicar as grafias e as discutiram. As conclusões foram várias: "Tem
palavra que começa com um R, mas o som é de RR forte", "Não começamos
nem terminamos palavras com RR" e "Um R entre vogais é fraco, a língua
treme". A professora então redigiu no quadro essas frases e combinou que
elas poderiam ser consultadas quando necessário.
Para levar à
reflexão sobre os equívocos mais comuns, a professora Elaine seguiu uma
das orientações do livro de Morais, propondo a classificação de
palavras com grafias semelhantes e a produção de regras nas atividades
com palavras organizadas em listas (isso é, não retiradas de textos). O
autor sugere também outras duas maneiras de colocar à prova o que foi
aprendido: atividades de reflexão sobre termos presentes em textos (como
a releitura com foco em um aspecto e a reescrita com transgressão das
regras aprendidas) e revisão de textos feitos pelos próprios alunos.
Essas reflexões vão ajudar os estudantes na compreensão dos casos
regulares. Para se apropriar dos irregulares, porém, será necessário
memorizar ou consultar um dicionário. Nesse momento, priorize as
palavras de uso frequente, já que não faz sentido pedir que eles decorem
a grafia de termos como "obsessão" e "ascensorista" só porque são
típicos da complexidade da língua. O objetivo é que a turma se torne
cada vez mais capaz de dominar as questões ortográficas que enfrentam em
suas produções escritas.
TAKADA, Paula. Como ensinar ortografia. Revista Escola. Disponível em: revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/como-ensinar-ortografia-594436.shtml? Acesso em: 06/05/2012.
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