07/03/2012

Uso das avaliações

A meta de alfabetizar crianças até os 8 anos de idade é um desafio para gestores que possibilitará melhorar a aprendizagem dos estudantes nos anos subsequentes



A organização   de  espaços   de    leitura
em ambientes acolhedores e agradáveis,
 assim como a garantia de momentos  de
formação   de   professores   e  o   uso  de
diferentes espaços além  da  sala  de  aula
 podem garantir a alfabetização das crianças.
Redes de ensino que melhoraram os índices de alfabetização de seus alunos têm um fator em comum: usam avaliações externas e internas para elaborar suas políticas educacionais. "O importante é o ensino não ser pautado pelas avaliações", alerta Magda Soares, referindo-se à prática de algumas redes que selecionam os "melhores alunos", treinam as turmas seletas para as provas e veem nisso um fim - e não um meio para melhorar a educação. "As avaliações têm tido papel importante, apresentando parâmetros do que a escola precisa fazer, definindo as competências nos descritores das provas. Devemos ter clareza sobre as habilidades específicas e as operações cognitivas que os alunos precisam desenvolver", diz.


Para a etapa da alfabetização, uma avaliação externa muito utilizada como forma de planejamento de redes e de escolas é a Provinha Brasil. Ela é aplicada a crianças do 2º ano do ensino fundamental, em duas etapas (no começo e no fim do ano), para fins de comparação do rendimento ao longo do ano. Os resultados não são divulgados ou ran-queados. As provas trazem descritores que ajudam na aferição do nível de alfabetização dos alunos. São aplicadas e corrigidas pelos próprios professores e, dependendo de seu uso, a ferramenta pode ajudar no planejamento de ações das redes de ensino e na correção dos rumos do trabalho pedagógico.


No entanto, para Maria Teresa Esteban, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, os exames em larga escala, em especial quando aplicados em crianças muito pequenas, podem ser mais danosos do que benéficos. "Esse tipo de procedimento dá ao professor informações superficiais das práticas pedagógicas. Exames dessa natureza, iguais para todos, que não levam em conta as diferenças entre as crianças e as diferentes culturas, não fornecem elementos para que o professor possa reconstruir suas práticas em benefício da aprendizagem da criança", afirma Maria Teresa.


Ela chama a atenção para o fato de que o próprio documento de explicação da Provinha Brasil, enviado aos
professores e gestores, afirma que o exame não avalia habilidades fundamentais para a fase da alfabetização, como oralidade e escrita. "A avaliação requer procedimentos e instrumentos que fazem parte do processo pedagógico, que ajudam a observar como está ocorrendo o ensino e se esse ensino está sendo favorável à aprendizagem. Duas crianças que dão a mesma resposta errada no exame, por exemplo, não necessariamente a elaboraram da mesma forma. E isso não pode ser identificado em uma avaliação de larga escala", explica Maria Teresa.


De acordo com a educadora, os gestores de rede precisam transformar as informações sobre as práticas de sala de aula em dados para organizar o sistema de ensino. "Se o gestor se baseia em dados fornecidos por avaliações em larga escala, deixando de lado uma série de informações relevantes que fazem parte do processo de sala de aula, essas práticas importantes ficam à margem, secundarizadas nas políticas e no planejamento", diz.


Além disso, ao criar políticas públicas com base em avaliações externas, os gestores podem enfrentar outro problema: o treino das crianças para os exames. Boa parte do tempo que poderia ser usado para trabalhar questões indispensáveis da alfabetização acaba sendo usada para a repetição de atividades similares às do exame. "Acabam se fortalecendo na prática cotidiana processos mecanicistas de alfabetização. Isso até eleva os índices, pois o desempenho das crianças no exame melhora, mas não significa que aprenderam", alerta.


A professora defende que, para garantir a alfabetização, é preciso que o gestor invista na formação permanente dos diferentes sujeitos envolvidos na educação, e não só dos docentes. Ressalta também a importância de garantir estrutura às escolas, acesso aos livros, livros de qualidade, ambientes em que a criança seja participante da cultura escrita e foco nas diferenças locais.
Provinha Brasil


Se, por um lado, a Provinha Brasil é alvo de críticas, mesmo não tendo como objetivo ser uma avaliação nacional de desempenho de crianças em alfabetização, por outro, o caminho da instituição de avaliações externas no país já está traçado e pode se ampliar. Hoje, no âmbito federal e de forma maciça, os gestores podem fazer uso da Prova Brasil e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), aplicados a alunos do 5º e do 9º ano. Essas avaliações geram médias, mas os dados não são específicos por aluno.


Assim, não é possível saber em quais quesitos a escola precisa melhorar no trabalho com cada um. A diretora-executiva do Movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, diz que qualquer avaliação que forneça apenas um número pode até criar mobilização, deixar gestores em alerta, mas é insuficiente. "Nosso esforço é ter números de todo o Brasil com informações e diagnósticos que sirvam aos gestores em seu planejamento. Se não houver estratégias diferentes para alunos diferentes, serão todos tratados como massa", acredita. Para ela, a qualificação das avaliações elimina o clima de competição entre escolas e o ranqueamento. Ao contrário: sabendo exatamente em quais quesitos cada escola está se saindo bem, cria-se um sistema de cooperação entre elas.


Tendo isso em vista, a entidade realizou neste ano a Prova Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização (Prova ABC), com o Instituto Paulo Montenegro, a Fundação Cesgranrio e o Inep. As provas ocorreram em caráter experimental, com 6 mil alunos do 4º ano do ensino fundamental, de 262 turmas de escolas públicas (municipais e estaduais) e particulares de todas as capitais brasileiras.


A Prova ABC difere da Provinha Brasil porque é voltada ao fim do ciclo de alfabetização e aplicada por agentes externos. "A Provinha Brasil não diz à sociedade se o estado cumpriu o direito do aluno de estar alfabetizado. As duas são complementares. A primeira ocorre no meio do processo, ajudando o professor a melhorar o seu trabalho. A Prova ABC é aplicada ao final, tem resultados por regiões e é um instrumento de monitoramento confiável do ponto de vista estatístico para acompanhar as redes do país", diz Priscila. A ideia é que o Inep a adote em nível nacional. Mas apesar de achar relevante o retrato oferecido pela Prova ABC, ainda que amostral, Maria do Pilar, do MEC, afirma que não existe até o momento nenhuma previsão para que isso ocorra.

CAVALCANTE, Meire.  Uso das avaliações. Revista Escola Pública. Disponível em: http://revistaescolapublica.uol.com.br/materia.asp?edicao=22&id_materia=195. Acesso em: 07/03/2012.

0 comentários:

Postar um comentário

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More