31/07/2012

Explicando a greve dos professores

GREVE DOS PROFESSORES FEDERAIS
 
Viviane Souza Pereira (Professora da UFOP)

Esse texto sintetiza reflexões sobre a greve dos professores das Universidades Públicas. Embora redigido no plural, não representa um posicionamento coletivo deliberado pelo movimento docente. Contudo, sendo eu, professora universitária em greve, ele está permeado, inevitavelmente, por concepções construídas coletivamente nos debates realizados nas assembleias. Desnecessário afirmar que ele somente esboça uma pequena parte dos inúmeros elementos essenciais para compreensão da questão. E, além disso, busca contribuir com o esclarecimento de alguns pontos, assim como suscitar o debate sobre outros. 

Ninguém gosta de greve. Ela sempre atrapalha. Desde 2010 buscamos negociação com o governo federal. Levamos conosco uma proposta construída durante anos e aprovada em Congresso Nacional dos docentes. O que recebemos? Cancelamento de reuniões, inoperância de grupos de trabalho (inclusive publicados em portarias oficiais), descumprimento de acordo assinado e indiferença diante de todas as demandas sobre a expansão não planejada das universidades. Basta uma visita às universidades, principalmente àquelas recém-criadas e/ou que abriram cursos novos, para perceber que as coisas não estão funcionando como previsto e desejável. Menos ainda como a propaganda institucional quer fazer crer.

Defendemos enfaticamente a abertura dos portões da universidade e a ampliação de vagas. Sempre e sempre mais, desde que as condições de funcionamento também sejam ampliadas. Nosso compromisso é com a democratização. Nossa preocupação é com a qualidade do trabalho que fazemos e com a formação profissional que oferecemos. Os estudantes sabem disso. São eles que não possuem salas e laboratórios para ter aulas, não encontram livros nas bibliotecas, não possuem RU com estrutura satisfatória para fazer refeições, não possuem uma política de assistência estudantil compatível com a expansão das vagas e, pasmem, não possuem professores para dar aulas em muitas disciplinas e nem técnicos administrativos para atender às necessidades acadêmicas de seus cursos.

Tentamos exaustivamente negociar fora de greve. Em vão. Estruturamos o movimento paredista como forma de pressionar o governo a nos ouvir. Ainda assim, somente dois meses após o início da greve mais forte da educação superior no país é que conseguimos iniciar o "diálogo". O que veio da parte governamental? Uma "proposta" que desmerece nossos anos de estudo, mente e desconsidera completamente o que buscamos. Nem ao menos menciona elementos de nossa pauta que vêm sendo construída ao longo dos anos, desde a década de 1990. Contudo, o movimento não arrefeceu. Ao contrário, ganhou mais força e adesão. Por esse motivo, posteriormente, uma "nova" proposta nos foi apresentada. Foram mantidas as mesmas características da anterior, aprofundando o fosso existente na carreira docente atual, precarizando ainda mais o trabalho e nem de longe abordando algum elemento relativo às condições de trabalho. Novamente, o fio condutor DO GOVERNO, foi trabalhar, de forma irrisória e até ofensiva na malha salarial e nos apresentar, mais uma vez, um cem número de planilhas esvaziadas de qualquer conteúdo plausível.

A "proposta" apresentada pelo governo está sendo analisada essa semana pelo conjunto dos professores. Essa análise tem sido realizada a partir de duas metodologias distintas e que trazem também distintas implicações:

1) Na maioria das Universidades em greve (55 das 57), a consulta é realizada por meio de assembleias. Espaço legítimo conquistado pelo movimento sindical docente. Nós professores, reunidos localmente, debatemos os aspectos apresentados pelo governo e enviamos deliberações ao nosso Comando Nacional de Greve (CNG)-Sindicato Nacional ANDES-SN. O CNG-ANDES as rediscute, delibera (o comando é formado pela representação de cada uma das Associações Docentes - ADs - em greve), compila e apresenta na mesa de negociação.

2) Através de uma consulta eletrônica, enviada por email aos professores das universidades que são filiadas ao Proifes. Essa consulta apresenta como alternativas o SIM ou Não. Furta-se de todo o debate tão caro ao movimento e, para não dizer, tão peculiar e embrionário à própria função das Universidades.

A questão da consulta eletrônica nos remete a alguns questionamentos:

a) a forma como ela é estruturada permite a reflexão para tomada de decisão ou simplesmente, de forma pragmática e maniqueísta, apresenta a possibilidade de votar sim ou não?

b) Como é feita a contabilidade dos votos? É de forma pública e aberta?

c) Como é assegurada a confiabilidade do processo, tanto dos votos que são enviados, quanto em termos da apuração dos mesmos? Qualquer um pode enviar votos em nome de outros, desde que possua nome completo e Siape. Pelo portal da transparência é fácil localizar essas informações, inclusive sobre o cargo ocupado.

d) Democracia, historicamente, se constrói no embate "olho no olho" que propicia a reflexão e a tomada de decisão a partir do confronto com o plural, como o divergente, com o diverso. Como assegurar isso em uma consulta eletrônica?

Além disso, é preciso esclarecer que NOSSO SINDICATO NACIONAL É UM SÓ: o ANDES-SN. O Proifes é uma federação, criada no mínimo de forma duvidosa e que, até antes da greve, representava somente 07 das 59 Universidades brasileiras. Das ADs que o Proifes representava, 04 compõem atualmente o CNG do Andes-SN e já realizaram assembleias essa semana rejeitando a proposta do governo. Três delas já encaminharam, nessas assembleias, sua desfiliação da entidade. Adivinhem o motivo: os professores das referidas universidades se viram atropelados no chamado "processo democrático moderno". Não se sentiram representados, mas sim utilizados como financiadores de uma entidade que, no lugar de defender os interesses da categoria, defende a pauta governamental. Nenhuma surpresa. Foi criada com esse objetivo. Só o governo reconhece essa entidade. Não é preciso dizer que por razões óbvias.

Aqueles que defendem essa entidade ou essa metodologia de consulta devem procurar conhecer profundamente como ela foi criada. Questionar por que até as universidades fundadoras "abandonaram o barco" em seguida. Será que foi por logo perceberem a "canoa furada" em que entraram? E mais, procurar saber em detalhes os motivos que levaram as Associações Docentes (ADs) a romperem com sua entidade representativa em meio à greve. Podem fazer contato com professores da UFBA, UFC e UFG. Além disso, façam contato também com docentes da UFRJ e da UFMT. Perguntem sobre o assédio imoral e ilegal que os professores das mesmas estão sofrendo, contando inclusive com o "apoio" dos (as) reitores (as). Vai ser fácil descobrir qual é a lógica de existência da referida entidade e desse processo de votação eletrônica.

Por outro lado, a realização de assembleias democraticamente construídas e legitimadas socialmente, nos remete a desafios de outra ordem. É preciso nos debruçar sobre eles a fim de fortalecer nosso movimento. É fato que a participação em assembleias, para debate e definição de posicionamentos relacionados à educação pública e à carreira docente, é bem menos expressiva do que poderia e deveria ser. Porém, é inegável que as mesmas constituem esferas legítimas de discussão e deliberação. Reconhecidas pela legislação e abertas à participação de todos.

O espaço é propício ao pluralismo, ao debate de ideias e concepções. Todos nós somos convidados a participar. Prevalece a coletividade dos que aceitam o convite e se fazem presentes. De forma responsável e coerente com a profissão que exercemos, debatemos e deliberamos sobre questões relacionadas à categoria e à sociedade, uma vez que educação de qualidade é de interesse geral.

Nesse sentido, cabe a nós, docentes, participação efetiva nesse processo. Devemos reconhecer nele nosso espaço, conquistado com esforço, de definição coletiva dos rumos da profissão e de deliberação sobre carreira, condições de trabalho, remuneração e afins. Os que não comparecem, pelos mais diversos motivos (cabe aqui uma reflexão teórica sobre isso em outro momento), como em toda democracia delegam aos presentes a responsabilidade e o direito de definir por eles.

Isso é democracia! Não uma consulta vazia limitada a sim ou não, atendendo a diretrizes pragmáticas da lógica efêmera do tempo que vivemos. Um tempo onde nos furtarmos ao debate que é característico de nossa profissão e essencial a ela, parece ser mais coerente do que o fato de discutirmos em assembleias locais aquilo que será defendido por nosso sindicato nacional na mesa de negociação nacional.

Nessa última "proposta" apresentada foram retirados alguns "bodes" colocados na sala justamente para dizer que ocorreu uma flexibilização por parte do governo. Nada mais! A lógica de carreira continua péssima. 

Nossa proposta não foi sequer considerada em seus elementos centrais: linha única no contracheque, regras claras e apresentadas agora para progressão na carreira e avaliação de desempenho, remuneração compatível com a qualificação que nos é demandada e com a responsabilidade de nossa atividade, condições de trabalho que assegurem a realização de ensino, pesquisa e extensão e outras que podem ser verificadas com detalhes no site do ANDES-SN. Querem deixar tudo que é importante e polêmico para ser resolvido depois em Grupos de Trabalho (GTs) que, como já disse, nunca funcionaram e representam um dos motivos de nossa greve (grupos de trabalho constituídos desde 2010 e que não andaram em nada!). O governo só apresenta tabelas salariais, como se essa fosse nossa questão central. Como se nós, professores, fôssemos um bando de idiotas facilmente comprados e capazes de esquecer a pauta protocolada em troca de alguns reais parcelados em 3 anos!

As péssimas condições de trabalho foram a grande mola propulsora de nosso movimento. A mídia não mostra isso e o governo insiste em postergar essa discussão. Embora essa pauta específica tenha sido protocolada no início das negociações, até agora não foi digna de nenhuma palavra do MEC! Nesse ponto é preciso reforçar a luta travada, desde o ano passado em uma greve solitária, pelos técnicos administrativos das universidades. O governo não assume o trabalho deles como essencial. Amplia as terceirizações e baixa decretos autoritários autorizando a substituição aleatória e irresponsável de trabalhadores que desenvolvem funções essenciais para o bom andamento das instituições. Fato é que os técnicos estão sendo tratados com indiferença pelo governo desde o ano passado. Ocasião em que, depois de muito ignorados, tiveram sua greve judicializada. Serão eles importantes para a qualidade das universidades ou não? Saibam que, para o desgosto de muitos, as universidades não funcionam sem eles. É preciso que fique claro para tod@s que nosso trabalho docente não se viabiliza sem técnicos administrativos em educação. A luta deles, portanto, também é nossa e de toda sociedade.

O governo e seus aliados atacam diariamente o movimento grevista. Tentam fazer parecer, com apoio da grande e conservadora mídia, que nós, professores, estamos interessados somente em aumento salarial. Se assim fosse, já teríamos ou mudado de carreira dentro do serviço público federal ou "engolido" a primeira proposta em forma de tabela de remuneração que nos foi apresentada. O governo tenta jogar uma categoria contra a outra dizendo que só vai negociar com os técnicos depois que assinarmos o acordo. Afirma em mesa de negociação que "não tem pudor nenhum em descumprir a Constituição Federal no que se refere a reajustes de servidores públicos". E, para coroar, brada que "se essa "nova proposta" não for aceita, o movimento docente sofrerá retaliações." Corte de ponto, criminalização, judicialização, substituição de trabalhadores e outros sem fim de absurdos e práticas autoritárias são, infelizmente, a marca da atuação governamental diante dos trabalhadores da educação em greve.

Por fim, nunca é demais reafirmar: a pauta de nossa greve de professores é carreira docente e melhoria das condições de trabalho. Alguém viu a situação cotidiana de caos que encontramos nas universidades ser debatida pelo governo na mesa de negociação? Alguém viu algum ilustre Ministro falar sobre isso??!. O caminho de greve é um caminho assegurado aos trabalhadores a partir de um processo intenso de lutas e deve ser valorizado, preservado, fortalecido e reconhecido como legal e legítimo por toda sociedade e pelo governo. A greve tem que prosseguir até que o governo, de fato, entenda a educação e nossas demandas reais e justíssimas, como prioridade! É o único instrumento de pressão que temos. Parece que o governo, este sim, pouco se importa com os prejuízos que uma greve causa não só para os alunos, mas para todas nós. Se assim não fosse já teria tratado com seriedade nosso movimento e essa greve já teria terminado com uma universidade pública melhor para todas!

PEREIRA, Viviane Souza. Explicando a greve dos professores. Brasilianas. Disponível em: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/explicando-a-greve-dos-professores. Acesso em: 31/07/2012.

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